«Onde Cantam os Grilos», por Maria Isaac

Devo começar por referir que esta leitura me surpreendeu muito e pela positiva; que me agarrei às folhas de uma forma quase compulsiva e difícil de largar. «Onde Cantam os Livros» é um livro da autora Maria Isaac (pseudónimo). O romance aborda temáticas como o poder dos segredos, a família, a amizade e, sobretudo, a complexidade do amor e das relações interpessoais. 

A história chega-nos pela voz do narrador Formiga, que se transporta para a sua infância, mais especificamente para o tempo em que tinha dez anos e vivia na Herdade do Lago, onde foi deixado dentro de uma cesta em bebé. Criado com os empregados, mas muito acarinhado pela família-mestre, Formiga foi uma criança alegre e muito curiosa, que era absolutamente fascinado pela família Vaz. A sua adoração era tal que o menino fazia de tudo para se camuflar para ouvir as suas conversas mais íntimas, não por despeito ou má educação, mas para se sentir o mais ligado possível a estas figuras que ele tanto endeusava. 

A família Vaz era composta pelo Sr. Vaz, pela sua esposa D. Leonor, e pelos seus três filhos: a misteriosa Ana (que contava, à data, 18 anos), o bravo Fernando (17 anos) e a encantadora Clara (16 anos). Esta família era assombrada por múltiplos segredos, do passado e do presente, e por uma poderosa maldição, que corria há muito nas gerações dos Vaz: em todas as fratrias, apenas sobrava um e um só herdeiro. Não desvendarei a veracidade da maldição nesta geração, mas direi o seguinte: verdadeira, ou não, a existência dessa profecia foi criando fissuras entre eles, causando danos irreparáveis.

No fim, relembrei as primeiras frases do livro com carinho: 

"No final, esta história poderá parecer uma tragédia. Mas não é essa a minha intenção. Vou tentar escrevê-la novamente, a história dos Vaz e da Herdade do Lago, desta vez como uma história de amor".

Não há dúvida de que se trata de uma narrativa pautada pela tragédia, mas mais do que isso, tem raiz no amor e é, por esse motivo, muitíssimo bonita na sua essência.  Aos olhos de uma criança de dez anos, as pessoas de quem se gosta são sempre inocentes e emocionantes. 

O Formiga é uma personagem muito interessante; carecendo do contacto e do carinho da família biológica, a criança foi-se agarrando a este ideal de família (a família Vaz), sentindo-se parte dela pela observação dos seus momentos mais íntimos. Presenciar determinadas situações era-lhe suficiente para se sentir completo e integrado. O seu sentimento de pertença era alimentado pelas interações e afetos que os membros da família lhe ofereciam, e a sua adoração crescia desmedidamente com o tempo. Na ausência de figuras parentais, a sua identidade construía-se com base nas figuras familiares de que dispunha e idealizava. Negava, assim, o seu sentimento de solidão e de abandono.

"Encantava-me a facilidade com que sorria, a naturalidade com que dava uma gargalhada - não como consequência de uma graça - como expressão de espírito. Para mim, o sorriso é trabalhoso, há sempre um pressentimento que o segura, que o pesa e o prende, que prefere a melancolia. Acabei por descobrir ao longo dos anos que isso é apenas medo, o instinto de quem está sozinho no mundo."

Elogio a autora não só pela sua escrita maravilhosa e natural, mas também pela boa capacidade na construção das personagens, coerentes e fascinantes. 

Maria Isaac tem, hoje em dia, um Podcast - Palavra -, no qual discorre sobre variados temas literários, incentiva a leitura, a escrita e a reflexão. Ao ouvi-la, fiquei deliciada por perceber que algumas das características do nosso Formiga - nomeadamente a sua constante observação e fascínio pelo outro - não são mais do que projeções das próprias características da escritora. Num dos episódios a autora divulga um capítulo deste livro que não foi incluído na edição disponível nas livrarias. 

Recomendo muito! Uma revelação muito promissora e que me aguçou o apetite para mais obras desta fabulosa contadora de histórias.


Avaliação: 4/5*

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