Felicidade, por João Tordo

João Tordo sabe escrever uma história: sabe cativar, entusiasmar e até espicaçar o leitor. Tem o dom da palavra, o dom da narrativa. Apenas o conhecia de ler o Hotel Memória, que já li faz sete anos... mas foi com expectativas elevadas - ou não tivessem as redes sido invadidas por críticas entusiastas e francamente positivas acerca deste Felicidade - que peguei neste livro. As linhas que se seguem trazem alguns, ainda que poucos, desvendares da narrativa.


Foi logo nas duas primeiras páginas, nas quais o autor introduz brevemente as trigémeas que tanto destroçaram a sua vida, que fiquei agarrada a este enredo. Ao longo de quase 400 páginas, João Tordo discorre com desenvoltura sobre a vida de um rapaz que, quando contava apenas com 17 anos, perdeu a virgindade com o amor da sua vida exatamente no mesmo momento em ela dava o seu último suspiro. Não querendo revelar muito mais da história deste desgraçado adolescente, falarei brevemente e de forma geral sobre o que me fez sentir. Este não é um livro sobre felicidade em si, mas antes sobre a ausência dela; é um livro sobre tragédias, sobre desamores, sobre saúde mental (ou de como damos cabo dela). Sobre desespero. 

Acompanhando o jovem, que se torna homem, vamos observando as notas do autor sobre diferentes temáticas da época: a guerra colonial, o virar de esquina do 25 de abril, o clima de instabilidade social e política, o desabrochar de uma liberdade que, por tão distante, se estranhava antes de se entranhar.

Seis dias após a Revolução dos Cravos, o filme de Bertolucci - O Último Tango em Paris - estreou em Portugal, e toda a gente pôde ver a maneira terrível e angustiada como Brando exercia a sua violência sexual sobre Maria Schneider, incluindo a famosa cena da manteiga. De que é que adiantava? Talvez não adiantasse coisa nenhuma para as nossas vidas; porventura, Núncio tinha razão. Contudo, precisávamos de poder vê-las para sabermos o que significava para nós, para formularmos acerca delas as nossas próprias conclusões. Para sermos livres de, em última análise, não nos querermos sentir assim tão livres; ainda que pudéssemos concluir que a liberdade era também responsabilidade, e que a responsabilidade era um fardo que somávamos a todos os outros que o facto de estarmos vivos nos depositava sobre as costas.

Não posso deixar de sublinhar a mestria de João Tordo na arte de nos deixar colados às páginas, sempre à espera de saber o que vai acontecer a seguir. Cheiro-lhe um talento para os thrillers, o que me faz marcar mentalmente o livro A Noite em que o Verão Acabou como o próximo a ler deste belíssimo escritor.

Recomendo a todos, e em especial a quem está com dificuldades em arranjar tempo ou energia para ler!


Avaliação: 4/5*

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