«Leite Derramado», por Chico Buarque
«Leite Derramado» é um romance de Chico Buarque, com primeira edição no ano de 2009. Foi a minha primeira experiência com a ficção do autor, que não defraudou as minhas expectativas – de um cantor e compositor tão comovente, não poderia esperar menos do que uma narrativa de uma sensibilidade acima da média. Sou vulnerável a histórias chorudas de fim de vida, que comportam o início, o meio e o quase-fim da vida de alguém. A velhice dos outros dói-me como um lembrete da finitude dos meus – e da minha.
Neste romance, o narrador – um idoso com mais de cem anos que cresceu no seio de uma família tradicional de classe alta do Brasil – relata num tom confusional à sua filha (ou à enfermeira, ou a outro fantasma…) – o ‘leite derramado’ da sua vida: o amor que perdeu mas que jamais o deixou, as memórias de um pai austero que se embrenhava em mulheres, drogas e afins, uma vida de fortuna que se foi gradualmente transformando numa vida de perdas.
«Quando perdi a minha mulher, foi atroz. E qualquer coisa que eu recorde agora, vai doer, a memória é uma vasta ferida».
O que mais me toca neste tipo de relato é uma sensação inóspita de solidão. Imaginar, nos dias de hoje e à luz do que se passa no mundo, pessoas a morrerem sozinhas no hospital, causa-me uma aflição difícil de transpor por palavras. Imagino que nesses momentos cada vez mais perto do fim, nos agarremos às memórias que ainda temos e as revivamos com toda a comoção possível. São tudo o que nos resta, tudo o que levamos.
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