«O Meu Irmão», por Afonso Reis Cabral

 «O Meu Irmão», livro de Afonso Reis Cabral e vencedor do prémio Leya 2014, conta a história de vida de um narrador a quem nunca conhecemos o nome, em torno da sua relação com o irmão ligeiramente mais novo e detentor de Síndrome de Down. 

O primeiro ponto positivo que destaco é a maturidade, solidez e riqueza da escrita de Afonso Reis Cabral. Este ponto torna-se ainda mais relevante se tivermos em consideração que, à data do começo da escrita deste romance, o autor contava apenas 23 anos de vida.

Refugiava-me nos livros. Mais do que um escape, e se a vida é feita de locais, os livros eram um local onde eu ouvia as vozes dos outros como se fossem ditas por mim. Deste modo, não representavam bem um refúgio, mas sim o sítio aonde voltava a casa. Uma parcela da vida que dava para muitas outras parcelas que eu nunca poderia conhecer, ou sequer perceber. 

O autor foge do sentimentalismo fácil de quem romantiza uma síndrome que não deixa de roubar potencialidades e competências àqueles que dela padecem. Esse é também um ponto a seu favor, uma vez que não me dou bem com visões cor-de-rosa distorcidas da realidade. Ainda assim, Afonso Reis Cabral não chega a ser cínico - embora o seu protagonista o seja -, e é capaz de identificar com uma precisão emocional quase cirúrgica os ganhos de uma doença que, a olho nu, só aparenta perdas. 

Eu nascera inteligente e perfeito, ele nascera inimputável e incompleto. Sendo irmãos, não podíamos ter nascido em lados mais diferentes da vida e, no entanto, um de nós conquistara o centro da vida e o outro não. O Miguel abdicara de todos os dons antes de nascer e por isso conquistara o paraíso na terra e Deus guiava-o pela mão, aceitando o que ele oferecia. Crescera anjo ferido, na expressão do nosso pai. E eu acrescento: crescera anjo ferido e não sabia disso. Bastava-lhe existir para existir bem, em paz.

Este narrador sem nome põe-nos em contacto com o lado negro da força - passo a expressão -, mostrando-nos que nem só de boas intenções se governa o amor (principalmente o amor próprio, ou a falta dele). Não me alongarei sobre o enredo, uma vez que não quero estragar a experiência a quem ainda não leu, mas a verdade é que não consegui empatizar com este protagonista. Compreendo que, possivelmente, foi sempre um menino, rapaz e homem sem casa - isto é, que nunca se sentiu acolhido na verdadeira essência da palavra -, mas isso não me chega para alcançar o nível de inveja, ciúme e ausência de remorso e empatia que o próprio vai demonstrando ao longo da história. A sua frieza emocional e atos disruptivos pautados por uma raiva a que chama de amor fraterno deixa a descoberto uma falha narcísica marcada, que me foi afastando mais e mais desta personagem. 

Contas feitas e fechadas, foi uma leitura agradável que me surpreendeu principalmente pela qualidade da escrita, mas que não se revelou tão prazerosa quanto eu gostaria. Realço, no entanto, uma vez mais, a riqueza da narrativa e fico ansiosa por ler mais desta jovem promessa da literatura (segundo li, descendente do nosso Eça). Numa rápida pesquisa noto que lançou outro romance em 2018, «Pão de Açúcar», que já está na minha lista de desejos.

Boas leituras!


Avaliação: 3/5

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