«A Little Life», por Hanya Yanagihara


 Hoje trago-vos a minha visão acerca do livro «A Little Life», de Hanya Yanagihara. Apesar de só ter chegado agora às minhas mãos, é um livro que já ia reconhecendo das andanças internáuticas. Os vislumbres que fui deitando aqui e ali Às publicações acerca deste livro formaram, desde logo, uma premonição acerca da angústia que esta história me poderia causar. Essa premonição revelou-se certeira. Ao longo de 800 (!) páginas, a autora de «Little Life» conduziu-me pela vida de quatro amigos que se conheceram na Universidade, focando-se principalmente na tortuosa história de Jude. 


O primeiro elogio vai para a escrita da autora, por ser simples e bonita, muitíssimo competente na arte narrativa e do detalhe. Seguindo pelo campo dos pontos positivos, enquanto psicóloga, o que mais me agradou na história foi ver de forma tão competente o impacto que os traumas vividos, principalmente os de infância, têm na formação da personalidade de uma pessoa. Jude é uma personagem extraordinariamente bem construída nesse sentido - a ponto de eu ter chegado a pensar que a autora deveria ter algum tipo de formação em saúde mental. O terceiro aspeto que realço pela positiva é o destaque que a autora dá, na narrativa, às amizades, especialmente à que acompanhamos entre Willem e Jude. Foi maravilhoso assistir ao desenrolar deste amor tão puro, ingénuo, protetor e amigo entre dois homens que eram a família e o abrigo um do outro. Para além de Jude e de Willem, poderia destacar todas as outras relações de amizade (ou devo dizer de amor?) tão bem construídas entre diversas personagens. Para não me alongar demasiado, mencionarei Harold, um homem que sofrera a perda de um filho-criança e, muito mais tarde, adota um filho-homem, para acabar por perdê-lo também. 


“Wasn’t friendship its own miracle, the finding of another person who made the entire lonely world seem somehow less lonely?”


O que mais me agarrou a este livro foi, sem dúvida, a intensidade das emoções que me fez sentir. Se não é muito comum chorar enquanto leio, este livro foi a exceção - chorei mais vezes do que aquelas que consigo contar. Chorei de tristeza, de compaixão, de raiva... chorei pela injustiça, pelo azar, pelo massacre emocional a que Jude foi sujeito. Mas, a certa altura, parei. E é aqui que começo a inserir os pontos menos positivos. Apesar de considerar a história muitíssimo envolvente, cheguei a um ponto (talvez a cerca de 300 páginas do fim), em que comecei a considerar que era demasiado. Demasiada tragédia, demasiado sofrimento, demasiados azares, demasiados acidentes, e tudo isso à mesma pessoa. Nada poderia correr verdadeiramente bem àquela personagem; qualquer tragédia acabaria por lhe acontecer para o atirar de volta ao buraco do sofrimento atroz. A implausibilidade da narrativa começou a aborrecer-me. A certa altura, lia apenas à espera do momento em que mais alguém morreria, ou que outro trauma aconteceria a Jude para reforçar todas as crenças que ele já tinha - de não ser merecedor de nada de bom, de ser culpado de ter sido vítima de diversos abusos... enfim, de ser hediondo. A inverosimilhança estende-se a outras áreas, como por exemplo, o facto de todos os quatro amigos se terem tornado profissionais de topo nas respetivas áreas. São pormenores que, por si só, não têm muito peso, mas que depois de virar a última página e todos somados, ganham impacto na forma como olho, em retrospetiva, para toda a construção narrativa.


“He had looked at Jude, then, and had felt that same sensation he sometimes did when he thought, really thought of Jude and what his life had been: a sadness, he might have called it, but it wasn't a pitying sadness; it was a larger sadness, one that seemed to encompass all the poor striving people, the billions he didn't know, all living their lives, a sadness that mingled with a wonder and awe at how hard humans everywhere tried to live, even when their days were so very difficult, even when their circumstances were so wretched. Life is so sad, he would think in those moments. It's so sad, and yet we all do it.”

Assim, concluo definindo este livro como marcante e memorável. Não foi a experiência de leitura mais agradável que já tive - tanto por me ter angustiado mais do que qualquer outro livro, como por, mais tarde, me ter aborrecido -, mas estou certa de que por muito tempo que passe, me lembrarei sempre da história e, pelo menos, da personagem de Jude. Não considero um livro leve, embora a escrita o seja. É preciso ter estômago, e é preciso ter espaço para que doa o coração - várias vezes.


Avaliação: 3/5

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