«A Estranha Ordem das Coisas», por António Damásio

Por vezes afasto-me do conforto dos romances para me embrenhar em livros que me atirem às cegas para a realidade. Faço-o por diversos motivos: profissionais, quando busco neles a resposta ou conhecimentos que me atualizem e me dotem de capacidades da minha área de trabalho; de lazer, pelo puro prazer de saber mais; por curiosidade em relação a determinada temática... enfim, na maioria das vezes, faço-o por todas as razões supracitadas. Quase sempre são leituras menos fluídas mas muito produtivas. É neste âmbito que justifico a leitura do livro "A Estranha Ordem das Coisas", de António Damásio, o neurologista e neurocientista português mais reconhecido - e com boas razões para isso. 

Não se trata de uma leitura leve para quem é leigo na área das neurociências, algo que, constituindo uma dificuldade, Damásio tenta a todo custo colmatar através de repetições das suas explicações cuidadosas. Neste volume, Damásio tenta expor a sua teoria acerca da homeostasia, e em como este conceito é tantas vezes simplificado e, por isso, mal integrado. Partindo deste ponto, o neurocientista vai entrando no labirinto do desenvolvimento da vida desde os primeiros organismos unicelulares até aos seres humanos como hoje os conhecemos. Durante esta viagem, Damásio destaca o papel e função dos sentimentos bem como a formação das culturas e civilizações a partir de todos estes ingredientes. Quanto aos sentimentos, afirma que servem para "regular a vida", na medida em que fornecem informação indispensável à nossa sobrevivência (e à homeostasia). Se esta ideia pode parecer desapaixonada a quem, como eu, gosta de pensar nos sentimentos como mais do que mera informação necessária à vida (que nem alimentos), peço que reconsidere: não há incompatibilidade de ideias. Os sentimentos cumprem diversas funções, uma das quais consiste em trazer dados informativos e necessários à homeostasia, ao nosso bem-estar físico, mental - ao nosso equilíbrio e desenvolvimento. Mas tem outras e, para os mais crentes, algumas delas podem considerar-se espirituais, íntimas, serem parte constituinte da alma ou da essência de alguém. Não considero que a ciência e as crenças de foro espiritual tenham de estar separadas quando tantas vezes não se contradizem. Este é um desses casos. A avaliar pelo seguinte excerto, penso que Damásio concorda comigo neste ponto:
«Embora a literacia científica e técnica nunca tenha estado tão desenvolvida, o público dedica muito pouco tempo à leitura de romances ou de poesia, que continuam a ser a forma mais garantida e recompensadora de penetrar na comédia e no drama da existência, e de ter oportunidade de refletir sobre aquilo que somos ou que podemos vir a ser. Ao que parece, não há tempo a perder com a questão pouco lucrativa de, pura e simplesmente, ser


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