«Nem Todas as Árvores Morrem de Pé», de Luísa Sobral

 «Nem Todas as Árvores Morrem de Pé» é o romance de estreia de Luísa Sobral. Se tivesse de descrevê-lo numa só frase, diria que este livro é o que acontece quando uma poeta se dedica à ficção. Assim, é fácil adivinhar que aquilo de que mais gostei neste livro foi a escrita: uma escrita madura e bonita, que nada tem de principiante. A palavra é a praia da Luísa - já o sabíamos através das suas canções, aqui o confirmamos na prosa ficcionada. 

Além desta cereja no topo do bolo, encontramos ainda boas histórias - dramáticas, sim, mas boas. Histórias de amor e de muitas perdas, perdas essas que fui sofrendo com o desenvolver da trama. 

Luísa dá-nos a conhecer M., uma menina nascida a leste do muro de Berlim, que cresce a idolatrar um pai que tinha um lado sombra que se apoderava do seu semblante de tempos a tempos e que M. aprendeu a ignorar... Este pai foi a grande e única referência de M. durante o seu crescimento, já que a sua mãe vivia dentro do quarto e do seu mundo de música, rejeitando contactar com a filha e sendo muito cruel quando inevitavelmente se encontravam. Quando M., já adulta, é confrontada com a verdade acerca do pai, acaba por fugir da Alemanha, com o seu melhor amigo e outros fugitivos... depois da perda precoce de uma mãe que foi sempre apenas um fantasma aterrorizador, aos 20 e poucos anos M. é obrigada a fazer o luto de um pai idealizado que só existia na sua fantasia de filha inocente. A partir daí, seguimos M. pela vida fora, a entregar-se às descobertas íntimas que faz sobre si mesma, dando-se à natureza, às plantas e à terra, ao mesmo tempo que conhece pessoas que se tornam família e vive amores e perdas distintas e profundas. 

Em capítulos intercalados, vamos descobrindo também a história dos pais de M.: como se conheceram e o que levou a que a sua mãe se fechasse em si mesma por tantos e longos anos. Neste ponto, o livro testa a empatia do leitor, dando contexto a uma realidade que se apresenta como incompreensível: a rejeição de uma filha desejada. 

"Nunca se consegue apagar uma mãe por inteiro. Ficam sempre aquelas linhas sumidas a relembrar o erro, a presença ou a ausência.

Voltamos àquele esboço inacabado inúmeras vezes ao longo da vida. Tentamos colori-lo, desenhar por cima ou até rasgá-lo, mas os trações de mãe, mesmo que desvanecidos, não abandonam o papel."

Também sou da equipa dos leitores que acham que este livro poderia ganhar com mais desenvolvimento das personagens; ao mesmo tempo, não sinto que isso lhe falte propriamente... perceciono isso mais como um sintoma positivo de uma leitura prazerosa: no final, ainda queria mais.


"Só é verdadeiramente livre aquele que não pensa na liberdade, o que a vive.

Pensar naquilo que significa ser-se livre é prender a liberdade num conceito. E, se é para dar à liberdade apenas uma morada, que seja a da nossa boca." 

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