«Contra mim», por Valter Hugo Mãe

A minha profunda admiração por Valter Hugo Mãe vai muito além da sua obra escrita. Ouvi-lo, à semelhança de lê-lo, é para mim um deleite. Acompanhar a sua voz, dicção e pronúncia funciona como um exercício de relaxamento para mim. Gosto de ouvi-lo em entrevistas e podcasts, em conversas mais ou menos informais, onde se dá a conhecer enquanto Homem. É alguém por quem nutro uma admiração mesclada de carinho. Comove-me a sua poesia falada e a escolha de palavras que pontuam as suas narrativas de ritmos melódicos e pacificadores.


"Estamos sempre à procura das nossas grandes crianças. Essas que começámos por ser e que se tornam paulatinamente inacessíveis, como irreais e até proibidas. (…) A criança que não regressa é uma falta de saúde do tempo. Uma enfermidade que aguarda de qualquer maneira."




Por ouvi-lo com alguma frequência, li este «Contra Mim», um livro autobiográfico, com a sua voz de fundo. O meu cérebro foi produzindo a sua voz na minha cabeça, entoando as frases e palavras da forma como acredita que o Valter o faria. Este pequeno (grande) detalhe tornou esta experiência de leitura única. De facto, é um livro especial, íntimo. O escritor ganha vida enquanto pessoa e o meu fascínio por esta personagem aumenta.


“Ando, a vida inteira, sobretudo à caça de satisfação para uma angústia constante que se prende a tudo, a ter e não ter, sentir que nunca nada está completo, que nunca tempo algum é suficiente. Falta-me tempo, quero mais, e quero gente e quero corresponder, pertencer genuinamente a cada lugar e melhorar os lugares e melhorar tudo, e ser um pouco feliz no meio de tanta coisa, tanta coisa que nem entendo, não chego a conhecer, não sou sequer inteligente o bastante para as aventuras todas. E digo angústia porque fica no ar um lado mais existencial e filosófico do que a constatação sempre tão violenta da tristeza, alguma tristeza, e a vida faz-se de andar entre alguma tristeza e procurar saída.”


O autor abre-nos a porta de acesso à sua infância, contando-nos as suas experiências emocionais de menino cujo nascimento sucede o falecimento do seu irmão Casimiro, que morreu contando apenas um ano. Este «menino horizontal» fantasmou o seu imaginário de criança, guiando a sua conduta e pensamento. Ao longo do livro, Valter guia-nos pelas suas angústias pautadas por uma pureza e ingenuidade só encontradas na infância. Mesmo menino, o autor era profundo, sofredor, intenso: poeta.

Aconselho vivamente a leitura deste belíssimo retrato autobiográfico do jovem Valter. É um livro que não se lê somente – sente-se. 

“Não cresci para ser, cresci para saber que alguém seria.”

Obrigada, Valter, por mais este presente em forma de livro. 

Avaliação: 5/5*

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