"De Olhos Fixos no Sol", por Irvin D. Yalom

É o segundo livro que leio do autor, mas este marcou de forma diferente a minha perceção da vida (e da morte). Procuro com frequência ler autores psicoterapeutas porque, sendo psicóloga, aprendo imenso com o testemunho de experientes da minha área. São como mentores que nunca conhecemos, mas nos marcam com a sua generosidade de querer ensinar.
O famoso psicoterapeuta admite que o medo da morte está presente em todos os seres humanos, ainda que possa assumir diferentes formas e ser mais ou menos influente na vida de cada um. Para alguns, surge como a «sensação de uma vida não vivida»:
«(...) quanto menos vivida é uma vida, maior a ansiedade de morte. Quanto mais alguém sente que falha os seus sonhos, mais medo terá da morte.» (p. 54)
E não é verdade que todos já sentimos não estarmos a viver, simplesmente por não estarmos satisfeitos com a vida que levamos? O sentimento de realização é um dos maiores pilares de uma vida plena de significado. É bastante comum questionarmo-nos com pensamentos como: estaremos a viver, ou somente a existir?
O autor não deixa apenas perguntas sem respostas. Antes, tenta dar-nos o conforto das suas próprias conclusões, oriundas de anos de reflexão consciente, de experiência clínica e também pessoal. E é dessa tentativa de nos confortar que surge, no texto, o conceito de rippling:
«Desde a infância, nada aterrorizava Bárbara mais do que o pensamento do nada, do vazio. (...) Não se sentia, por exemplo, minimamente aliviada quando lhe dizia que nunca iria experimentar o horror do nada, porque não teria consciência dele depois da morte. Mas já a ideia de rippling - de uma existência contínua através dos atos de ajudam de carinho e de amor que passava para os outros - foi capaz de atenuar grande parte do seu medo.» (p. 81)
Também eu, na minha prática clínica, fazia uso deste conceito sem conhecer o seu nome ou aprofundá-lo teoricamente. Creio que sempre me foi intuitiva a ideia de que a morte de alguém é sempre mais física do que presencial: vivemos em cada pessoa que tocamos e, por isso, vamos vivendo muito além do dia da nossa morte.
Pessoalmente, sempre afastei de forma involuntária a minha ansiedade de morte do meu campo da consciência. Não quero com isso dizer que não tenho medo - apenas é raro deixar-me consumir por ele. No entanto, de vez a vez, surgem-me aquilo a que Yalom denomina como «experiências do despertar», acontecimentos que me abalam e acordam essa ansiedade latente. Essas experiências tanto podem ser a morte de alguém que me é querido, como a ameaça iminente de uma doença que se espalha pelo mundo sem que a consigamos conter, como a COVID-19. Mas nem sempre se tratam de acontecimentos. Desde cedo me liguei à ideia de que não receio tanto a minha morte como a morte daqueles que amo, e justificava isso com os motivos referidos por Epicuro, especialmente o facto de, depois de morta, não sentir dor, nem ter sentimentos de perda pela vida que não vivi - depois da morte, nada. Ainda assim, lembro-me de um sonho que foi talvez a maior «experiência do despertar» que já tive. Foi há muitos anos, durante a minha adolescência. Sonhei que estava a deitada numa estrada de alcatrão quente. Estava a esvair-me em sangue e, ainda que dormindo, havia realmente a sensação corporal de sangue a sair-me do corpo, bem como uma dor física aguda presente em todos os membros. Estava a morrer. Estava a morrer e, pela primeira vez na vida pensava em como não queria morrer, não podia morrer, ainda não tinha feito nada, queria estar com os que amava, queria ter a oportunidade de me realizar, de dar um significado à minha vida.
Foi a primeira vez que senti e aceitei o terror da morte como algo existente em mim. Desde então, recordo muitas vezes este sonho tão vívido e extraio dele a necessidade de estar no momento presente. Vivo com o intuito de me realizar em cada objetivo a que me proponho, em cada consulta que dou e em cada momento partilhado com aqueles que amo, mas tento não evitar os encontros com estes momentos de consciência da minha própria finitude.
«Não recomendaria a ninguém olhar fixamente para o Sol, mas olhar de frente para a morte é uma questão completamente diferente. (...)
Acho que devíamos enfrentar a morte como nos confrontamos com outros medos. Devíamos contemplar o nosso fim, familiarizar-nos com ele, dissecá-lo, analisá-lo, racionalizá-lo e eliminar as terríveis distorções criadas na infância relativamente à morte.
É preciso deixarmos de acreditar que a morte é demasiado dolorosa para ser tolerada, que os pensamentos irão destruir-nos, que a transiência e o efémero têm de ser negados para que a verdade não tire o significado à vida. Estas negações pagam um preço - reduzindo a nossa vida interior, desfocando a nossa visão e colocando a obstáculos à nossa racionalidade. Por fim, a autodesilusão apanha-nos.» (p. 221 e 222)
Um livro para todos.
5/5
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