
"A Gorda" é uma obra de ficção (será mesmo?) que narra a história de Maria Luísa, uma mulher que, sendo inteligente e dotada de uma forte personalidade, é gorda. O
ser gorda da Maria Luísa é o nosso
ser feio,
ser magro,
ser narigudo - no fundo, não ser suficiente para; mas para quem? É por aqui que começo por ter sido esse, para mim, o ponto fulcral, o tocar na ferida - nas feridas de todos nós. Tenho lido por aqui muita gente que sentiu dificuldade em empatizar com Maria Luísa. Talvez seja difícil para nós empatizar à partida com alguém tão cruamente inteiro. Estamos habituados a lidar apenas com determinadas facetas das pessoas - aquelas que elas nos mostram. Com as personagens de ficção acontece muitas vezes o mesmo, não esperamos que sejam tão brutalmente elas. Se já temos dificuldade em lidar com as nossas falhas, é natural que as falhas dos outros também nos possam incomodar. Sempre gostei de pessoas que se mostram e de personagens completas, sem dúvida mais desafiantes, mas que trazem uma refrescante colherada de realidade aos enredos. A Maria Luísa é, sem dúvida, completa. Conhece-se, gosta-se e desgosta-se ainda mais. Comete erros, vive na ponta do precipício, gosta de por lá dançar, de desafiar a sorte. É uma mulher carregada de dores com as quais não sabe o que fazer - por isso, come. Apaixona-se por um homem que ama como nunca foi capaz de se amar a si própria (e esse nunca é um bom ponto de partida). Rejeitada por causa do seu corpo, humilhada pela injustiça, vai seguindo como pode, deprimida, escrevendo, sobrevivendo, alimentando o seu amor que é também ódio, como aliás o é também o seu amor-próprio.
"Escrevia, «estou só aqui à espera». A compreensão é um castigo. Nunca mais se consegue ignorar a jaula nem o jugo." (p. 59)
Apesar da sua vulnerabilidade puramente humana e do castigo de se reconhecer um todo imperfeito, Maria Luísa revela-se uma guerreira na arte da não desistência, do querer ficar, mesmo que doa.
Mesmo que não sejamos felizes todos os dias. Mesmo que ainda não sejamos suficientes... para nós.
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