“O Ano do Pensamento Mágico”, por Joan Didion - breve comentário


O que é autobiográfico tem sempre outro impacto. E, apesar da dor do luto e da perda ser sempre singular, traz à luz pontos de partida (e de chegada) comuns. Só o percurso é diferente. E é um percurso de muita luta, de muitas conquistas mas, inevitavelmente, de muita perda. Este foi um livro que me foi caro, na medida em que eu própria ainda estou num processo de luto. Claro, trata-se de um luto em tudo diferente do de Joan Didion. Mas, como disse, há sempre pontos comuns nos percursos das pessoas enlutadas. Vivi parte do meu luto ao ler as palavras sofridas de Didion. Mas, mais do que me lembrar da minha avó, pensei muito no que seria perder outras pessoas no futuro e na dor que me espera caso tal venha a suceder. Sofri com Didion sobretudo por isso: pela minha projeção num futuro que não sei se vai chegar, e prefiro nem saber.

Aconselho este livro a todos aqueles que extraem da experiência dos outros algo pessoal e íntimo. Não apenas a quem está num processo de luto, mas a todos aqueles que refletem sobre a inevitabilidade da morte própria e dos outros.

Não, não "é a vida"... é a inevitabilidade da morte.

«Os sobreviventes olham para trás e veem augúrios, mensagens que não identificaram. Lembram-se da árvore que morreu, da gaivota que se despenhou no capô do carro. Vivem de acordo com símbolos. Encontram significado na quantidade de spam no computador não usado, na tecla delete que deixa de funcionar, e do abandono imaginário na altura de decidir substituí-la. A voz do atendedor de chamadas ainda é a do John (...) mas se eu fosse substituí-la agora, iria fazê-lo com um sentimento de traição.» p. 118

«A dor da perda acaba por ser um lugar que nenhum de nós conhece até o alcançarmos. Antecipamos (sabemos) que alguém que nos é próximo pode morrer, mas não olhamos além dos poucos dias ou semanas que se seguem imediatamente à morte. Interpretamos erradamente a natureza desses poucos dias ou semanas. Podemos esperar, caso a morte seja súbita, um sentimento de choque. Mas não esperamos que esse choque seja eliminador, que desloque o corpo e a mente. Podemos esperar a prostração, ficar inconsoláveis, enlouquecidos pela perda. Não esperamos ficar literalmente loucos ou ser a «mulher calma» que acredita que o marido está prestes a regressar dos mortos e que precisa dos seus sapatos. Na versão da dor que imaginamos, o modelo a seguir é a recuperação. Um certo movimento para diante irá prevalecer. Os dias mais difíceis serão os primeiros. (...) Não temos forma de saber que esse não será o problema. Não temos maneira de saber que o funeral será anódino, uma espécie de narcótico da regressão, em que estamos embrulhados nos cuidados dos outros e na gravidade e no sentido da ocasião. Nem podemos conhecer, de antemão (e aqui está o cerne da diferença entre a dor como a imaginamos e a dor como ela é), a infindável ausência que se segue, o vazio, o preciso oposto de sentido, a incansável sucessão de momentos em que teremos de enfrentar a experiência da total falta de sentido.» pp. 145-146

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